sexta-feira, 2 de março de 2012

#26

Adeus à Carne: um desfile afiado

Em sua primeira montagem em grupo, o autor e ator(mentado) Michel Melamed usa o carnaval para brindar os fracassos da realidade sem ou pós-festa. "Carne Vale".

Com uma ousadia tão afiada quanto a Navalha (na Carne), de Plínio Marcos, a peça Adeus à Carne (ou Go to Brazil), primeira montagem em grupo de Michel Melamed, atravessa o samba e até mesmo o funk para celebrar a melancolia e o fracasso de uma realidade sem ou pós-carnaval - do latim “carne vale” e vale muito. Vale pela busca ao incomodo, ao diferente e pela aceitação do anormal. Trata-se de uma peça provocante e experimental, que geralmente não costuma agradar aqueles que preferem encenações de fácil digestão. Neste caso, a carne não desce, e o gole é seco como um trago.


Após um longo período de passagens de atores, cerca de 10 minutos, aparece a primeira fala do espetáculo: “Obrigado”, que antecede um suspiro e uma cusparada. Aqui, a falta de uma condução linear já abria espaço para um mar de interpretações, porém, ainda não havia como o público estabelecer conexões sem nenhuma onda. No entanto, com uma sequência de sambas tristes, o autor estabelece uma conexão mais clara com a festa do Adeus à Carne e apresenta sua desritimada e crítica escola no palco, começando pela comissão de frente, que “cria uma certa expectativa no público por sua coreografia diferenciada" – como explica o interlocutor.


Diferentemente de seus monólogos anteriores - “Homemúsica” (2007), “Dinheiro Grátis” (2006) e “Regurgitofagia” (2004), onde recebia choques de acordo com a reação da plateia -, “Adeus à Carne” traz Michel Melamed ao lado de mais cinco atores: Bruna Linzmeyer, Pedro Henrique Monteiro, Rodolfo Vaz, Thiare Maia e Thalma de Freitas, que aparece com a cabeça totalmente raspada. O figurino, de Luiza Marcier, também é fundamental na construção da decadência imposta aos personagens, que também são castigados, torturados e se apresentam como espécies de demônios - como seis emissoras de televisão.  O desfile segue com “a ala das crianças, que pode ser opcional, e com a Velha Guarda, onde vão os fundadores da escola”. Neste caso, a ala destacava os atores como emissoras e dançando funk proibidão do CV.


Depois de apresentar as alegorias de sua escola, representadas em cena por engenhosas estruturas mecânicas e amarras de alpinistas, a peça costura mais um punhado de devaneios e criticas até chegar a um ensaiado final irônico, como a própria apuração do carnaval e seus atordoantes 8.2, 9.4 e 9.9. Mas, que o cenário assinado por Bia Junqueira era digno de um “10!”, vindo do mais criterioso dos jurados,  ninguém poderá negar. Aliás, as engenhocas funcionaram muito bem, com destaque para um jogo da forca humano, e conseguiram suprir a falta de texto para acompanhar a mobilidade dos atores, que, por sinal, estavam todos muito bem (doidos). Desta forma, o desfecho da peça, assim como a dispersão na Marquês de Sapucaí e do “Duque de Caxias”, chega de um modo natural. A senhora sentada ao lado, assim como muitos, não hesitou em perguntar: já acabou?  'Carne Vale' a pena!.


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