Em sua primeira
montagem em grupo, o autor e ator(mentado) Michel Melamed usa o carnaval para
brindar os fracassos da realidade sem ou pós-festa. "Carne Vale".
Com uma ousadia tão afiada quanto a
Navalha (na Carne), de Plínio Marcos, a peça Adeus à Carne (ou Go to Brazil), primeira montagem em grupo de
Michel Melamed, atravessa o samba e até
mesmo o funk para celebrar a melancolia e o fracasso de uma realidade sem ou
pós-carnaval - do latim “carne vale” e vale muito. Vale pela busca ao incomodo,
ao diferente e pela aceitação do anormal. Trata-se de uma peça provocante e
experimental, que geralmente não costuma agradar aqueles que preferem encenações de fácil digestão. Neste caso, a carne não desce, e o gole é seco
como um trago.
Após um longo período de passagens de atores, cerca
de 10 minutos, aparece a primeira fala do espetáculo: “Obrigado”, que antecede um
suspiro e uma cusparada. Aqui, a falta de uma condução linear já abria espaço
para um mar de interpretações, porém, ainda não havia como o público
estabelecer conexões sem nenhuma onda. No entanto, com uma sequência de sambas
tristes, o autor estabelece
uma conexão mais clara com a festa do Adeus à Carne e apresenta sua
desritimada e crítica escola no palco, começando pela comissão de frente, que “cria
uma certa expectativa no público por sua coreografia diferenciada" – como
explica o interlocutor.
Diferentemente de seus monólogos anteriores
- “Homemúsica” (2007), “Dinheiro Grátis” (2006) e “Regurgitofagia” (2004), onde
recebia choques de acordo com a reação da plateia -, “Adeus à Carne” traz Michel
Melamed ao lado de mais cinco atores: Bruna Linzmeyer, Pedro Henrique
Monteiro, Rodolfo Vaz, Thiare Maia e Thalma de Freitas, que aparece com a
cabeça totalmente raspada. O figurino, de Luiza Marcier, também é fundamental na construção da decadência imposta aos personagens, que também são castigados,
torturados e se apresentam como espécies de demônios - como seis emissoras de televisão. O desfile segue com “a ala das crianças, que pode ser opcional, e com a Velha Guarda, onde vão os
fundadores da escola”. Neste caso, a ala destacava os atores como emissoras e dançando funk proibidão
do CV.
Depois de apresentar as alegorias de sua
escola, representadas em cena por engenhosas estruturas mecânicas e amarras de
alpinistas, a peça costura mais um punhado de devaneios e criticas até chegar a
um ensaiado final irônico, como a própria apuração do carnaval e seus
atordoantes 8.2, 9.4 e 9.9. Mas, que o cenário assinado por Bia Junqueira era
digno de um “10!”, vindo do mais criterioso dos jurados, ninguém poderá negar. Aliás, as engenhocas funcionaram muito bem, com destaque para um jogo da
forca humano, e conseguiram suprir a falta de texto para acompanhar a mobilidade dos atores, que, por sinal, estavam
todos muito bem (doidos). Desta forma, o desfecho da peça, assim como a
dispersão na Marquês de Sapucaí e do “Duque de Caxias”, chega de um modo natural. A senhora sentada ao lado, assim como muitos, não hesitou em perguntar: já
acabou? 'Carne Vale' a pena!.
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