segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

#98

Vagner Donasc: às galerias, na revolta

Em sua primeira individual, intitulada LVDO, o artista carioca burla e se diverte ao reunir uma série de obras ácidas para falar das mentiras da vida real. Até o dia 10/12, na Homegrown.

Rebelde desde sempre e com certa vocação para fora da lei, o carioca Vagner Donasc encontrou na arte um caminho para extravasar suas revoltas e ir além. No entanto, não foi nada fácil para o jovem do subúrbio “da famosa ZN” - de Irajá, sendo mais específico -, conseguir se aceitar como artista, mesmo com o respaldo de uma formação em design. Aliás, bem ao contrário, foi diante de um cômodo e “assustador” escritório que Donasc decidiu se libertar e “não viver mais em vão”, ou seja, a seguir o almejado objetivo de viver da própria arte, mas - é claro - sem tirar o dedo da ferida. A transgressão que o acompanhou desde cedo, seja no skate, na música, na pichação ou no grafite, também se tornou evidente em suas obras e passou a fazer parte do seu conceito artístico, como grita sua primeira individual, em cartaz até o dia 10 de dezembro na loja-galeria Homegrown, em Ipanema. Isso porque, a mostra em questão, intitulada “LVDO”, só veio a tomar forma a partir de seu interesse em explorar a mentira presente na vida das pessoas. Não acredita? Então, é bem por ai mesmo... Vá e veja com seus próprios olhos.


“No início do ano, comecei uma nova pesquisa com a intenção de mudar radicalmente e encontrar um novo caminho. Logo no início das minhas investigações descobri que a mentira era algo muito interessante e, após desdobrar o tema e emergir nesse universo, cheguei à etimologia da palavra ilusão (Illudo) e ao substantivo ‘ludo’, que, do latim ‘ludus’, traz um duplo significado: brincar e se divertir, mas também enganar e burlar”, revelou Donasc ao explicar a “palavra perfeita” para o conceito que estava construindo. De acordo com o artista plástico, sua arte se situa entre a ilusão do mundo real e a mentira da vida cotidiana, enquanto seus trabalhos não se resumem a uma única linha e, por isso, usam diferentes linguagens, como pintura, desenho, fotografia, escultura e colagem, além da mistura experimental de todas essas técnicas e a bem-vinda destruição. “Quando eu rasgo uma revista, eu acabo com a sua função e isso fica claro. É incontestável, qualquer um entende e todos percebem meu ódio, minha raiva, minha energia, minha falta de delicadeza e respeito. Destruir um símbolo tem muita força e é diferente de representar uma destruição. Acredito que o artista tem uma missão de explorar o mundo seus símbolos e materiais”, completou.


Neste contexto, tudo começou com a série “E Agora José?”, onde ele pinta e destrói a sua própria criação. Ao retirar a pintura recém-feita com a espátula, o artista busca destacar que sempre existe algo por traz de uma ideia e que nada é o que aparenta ser. Desta série, Donasc apresenta duas telas, “A festa acabou” e “Dos outros/pros outros”. Em “Magazine”, uma série mais específica e que conta com seis obras na exposição, o artista plástico rasga revistas de diferentes segmentos para abordar as mentiras contadas na imprensa, se apropriando e alterando as imagens em novas composições, caso da irônica “Manchete/Olha o caô” (em que usa seis revistas Manchete). Ainda nesta linha, Donasc também usa recortes para satirizar a concepção “margarinística” de vida perfeita na série “Cosmoconha”, de Consumismo, elaborada através de fotos de maconha entre anúncios e ensaios fotográficos. Um conceito semelhante também pode ser visto em “Era uma vez uma propaganda”, feita com cartazes de shows, desenhos e pinturas, e na chamativa “Super-Dosagem”, realizada com dobraduras de caixas de remédios controlados, uma referência ao uso indiscriminado dessas substâncias como forma de fugir da realidade. “Essa foi inspirada na música ‘Wanna be sedated’, dos Ramones”, revelou.


A proximidade entre as obras de sua primeira individual é notável, mas, ao ser questionado sobre esse algo em comum, o artista prefere fugir de um suposto conceito para falar em um objetivo, solução e, inclusive, ataque. “Não é uma serie, talvez conceito, mas também não vejo dessa forma. Eu tenho um objetivo, como, por exemplo, na série que estou estudando (e que já fiz alguns ataques): “Heros / homens de bronze também mentem”, onde discuto a forma que a historia é contada através da construção de uma memória coletiva”, explicou Donasc. “Quando se faz uma escultura de Dom João VI sobre o cavalo de forma imponente, igual temos na Praça XV - prosseguiu -, é para que ele seja lembrado como um grande rei. Mas, você acredita nisso? Eu também não. Então eu fui até lá coloquei uma toca ninja vermelha sobre ele, destruindo um símbolo e colocando outro junto dele. Essa foi minha melhor solução para essa ideia, eu busco a melhor solução. Se for desenho, faço um desenho; ser for pintura, eu pinto, a solução vem do problema, e a linguagem também. Isso me dá uma liberdade e um gigante desafio”, completou.


Por reconhecer sua juventude e sua árdua caminhada rumo à evolução, Donasc, que disse ter se impressionado com o trabalho do artista dissidente chinês Ai Wei Wei, não se mostra preocupado com o tempo de espera até alcançar sua alforria artística, tendo em vista que viver da própria arte não um privilégio para poucos, como é para alguns, e sim um resultado de muita correria. “Estou muito satisfeito. É um momento muito bom para mim e também de muita evolução pessoal. Fui construindo as obras durante todo o ano e achei bom o momento e a oportunidade de apresentar um conceito e uma forma de trabalho nova que pretendo explorar durante mais algum tempo”, revelou o artista que há sete anos também “trabalha” no Circo Voador. “Apesar de ter começado ainda entre fevereiro e março, esse foi um ano de muita atividade. Trabalhei em horários alternativos, o que é bem difícil e cansativo. Mas, como nem tudo é perfeito, eu ainda não consigo me sustentar e investir apenas com a minha arte. Mas é assim. Sou muito novo e tem muita coisa pra acontecer... e evoluir”, concluiu o artista antes de deixar o seu recado final: “Devemos trabalhar pela base, mais pela base e mais e mais pela base. Se você não tiver uma utopia, eu vendo as minhas para você”.

LVDO – até 10/12 na Homegrown
R: Maria Quitéria, 68 - Sobreloja. Ipanema.
Visitação: Seg. a sex., das 10h às 20h.
Aos sábados, das 12h às 18h.

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