segunda-feira, 12 de agosto de 2013

#88

Allan Sieber: três cores e um novo desafio

Perto de completar 20 anos de carreira, o quadrinhista gaúcho se distancia das tiras e cartuns para dar forma a uma nova exposição: “Racionamento de cores”. Confira a entrevista...

Reconhecido por seu humor sarcástico, pela premiada animação “Deus é Pai” e inúmeras tirinhas geniais – como “Bifaland, A Cidade Maldita”, “Vida de Estagiário”, “Preto no Branco” e “The Mommy's Boys”, entre outras -, o quadrinhista Allan Sieber, prestes a celebrar 20 anos de carreira, resolveu se desafiar e buscar novos ares em uma nova exposição, intitulada “Racionamento de cores”, em cartaz desde a última semana na loja e galeria La Cucaracha (também dedicada ao universo das histórias em quadrinhos). O curioso desta mostra é que, ao contrariar a lógica, o artista gaúcho decidiu se distanciar das tiras e cartuns para explorar apenas três cores primárias (vermelho, azul e amarelo), com as quais elaborou 13 desenhos inéditos, de 40cm x 28cm, feitos em aquarela e pastel oleoso. O resultado é surpreendente, e a mostra, por sua vez, imperdível. No entanto, antes de se apressar em visitar o aconchegante espaço, saiba um pouco mais sobre o que quadrinhista tem a dizer sobre esse racionamento de cores e, inclusive, sobre a realidade ainda desanimadora da animação nacional.

O quadrinhista gaúcho Allan Sieber. Imagem: Folha de SP.

1. Primeiramente, como surgiu a ideia (ou convite) de montar essa exposição tão inusitada na La Cucaracha?

 - Eu queria fazer algo que não envolvesse só humor ou dependesse do humor. Na verdade, meu humor está cada dia mais combalido. Propus para Matias Mad Maxxx, o dono da La Cucaracha e amigo de longa data, e ele topou.

2. De onde veio a necessidade de trabalhar com esse chamado “racionamento de cores” e porque, acredito que pela primeira vez, optou por não usar tiras e cartuns na exposição?

 - Gosto de trabalhar com limites. Me impor algumas limitações e ver o que sai trabalhando dentro disso. Tiras e cartuns terão vez numa grande exposição para o ano que vem, por conta dos meus 20 anos de carreira.


3. Há algum objetivo ou influência mais palpável para essa mudança de horizonte, como se estivesse saindo da suposta zona de conforto?

- O desenho mais selvagem e uma vontade de sair disso, do cartum e da tira. Tem uma hora que enche o saco. Como já bem vaticinou o bardo Wander Wildner, “eu não consigo ser alegre o tempo inteiro”.

4. Ao observar as ilustrações da mostra, me chamou atenção a relação entre figuras e escritas. Poderia falar mais a respeito, de onde veio isso? – como  Pogo! e Alfaro (que tem até um nariz do Eteimoso mesmo, rs.)

 - É algo que sempre esteve presente no meu trabalho: a tipografia. Adoro desenhar letras e tipos. Posso dizer até que é uma das coisas que acho fácil fazer e me dão mais prazer, brincar com letras.


5. Além desta exposição, o que anda aprontando ultimamente? Alguma novidade saindo do forno da Toscographics? O retorno da Tosco TV poderia ser uma delas?

 - Terminei o piloto da série “Mar de Paixão”, uma espécie de novelona mexicana em animação. Coisa da cabeça de André Dahmer e Arnaldo Branco. Adoraria voltar com o Tosco TV, mas, aparentemente, foi um projeto muito ousado: animação adulta no Brasil.

6. Dentro de uma realidade adversa, mas com inúmeros talentos, o que falta para os quadrinhos (não infantis) serem mais reconhecidos e, é claro, valorizados (não somente no Brasil)?

 - Dificil isso. Talvez nunca aconteça. Não me pergunte porque, mas acho difícil os quadrinhos serem respeitados como a literatura ou a música, por exemplo. Também tem muito quadrinista burro. Isso deve ajudar.


7. Acredita que isso virá a ser uma realidade ou o jeito é migrar para o cinema mesmo? Porque os quadrinhos parecem estar restritos à resistência (da essência marginal)?

- Não, infelizmente quadrinho não vende bem em lugar algum, com excessão de França e Belgica. Estamos falando de quadrinhos adulto, não de super-herói, mangá ou infantil. Daniel Clowes, por exemplo, talvez o maior quadrinista da atualidade, vende pouquissimo. Acho que ele só chegou a ver uma grana decente com a adaptação dos álbuns dele para o cinema. A própria Fantagraphics, a maior e mais legal editora do mundo, está sempre para fechar as portas. As pessoas não levam quadrinho muito á sério talvez por culpa dos proprios quadrinistas, que, em grande parte das vezes, ADORAM cultivar uma aura miserenta. Tomar cerveja quente em copo de plástico, esse tipo de merda.

8. Para finalizar, mais por curiosidade, ainda se sente um gaúcho depois de mais de anos comendo joelho e tomando “refresssco de caju”? Como foi se adaptar ao Rio e ao estilo de vida do Rio?

 - Fiquei dois meses sem sair de casa assim que me mudei. Mas, depois passou. Hoje, eu acho até normal ouvir DEMORÔ FORRMÁ. O João Gordo que fala que sotaque de carioca é sotaque de ladrão, hahaha.

“Racionamento de cores”. La Cucaracha
Rua Rua Teixeira de Melo, 31H. Ipanema.
Visitação: das 11h até 21h. Grátis.