quinta-feira, 25 de abril de 2013

#73

Vhils: retratos por trás das camadas


Tido como uma referência mundial em arte urbana, o português Alexandre Farto volta ao Rio com a exposição “Fragmentos” e, de quebra, fala sobre sua trajetória e processo de criação. Valeu Vhils!

Dono de uma inusitada técnica de criação, a qual conta com uso de furadeiras,cinzéis e, até mesmo, explosivos para escavar chamativos retratos sobre muros, o artista português Alexandre Farto - também conhecido como Vhils, apelido que surgiu a partir da soma das letras que achava mais fáceis de desenhar - volta ao Rio de Janeiro para presentear os cariocas com mais alguns de seus cobiçados “Fragmentos”, título da exposição que será apresentada na Galeria Clark Art Center (Rua Teresa Guimarães, 35. Botafogo) entre os dias 26 de abril e 26 de maio. A mostra individual, que faz parte das comemorações do Ano de Portugal no Brasil, contará com 15 trabalhos inéditos desse jovem lisboeta, que, por sinal, é apontado como uma das principais referências mundiais em arte urbana. Diferentemente de sua última passagem pelo Rio, entre setembro e outubro do ano passado, quando cravou os rostos de alguns líderes comunitários no Morro da Providência, desta vez Vhils chegou com mais “tempo” para explorar a cidade, ou seja, com mais compromissos em sua requisitada agenda. Além das obras na Clark Art, Farto também fez interferências na fachada da própria galeria e em espaços públicos em Copacabana: na comunidade dos Tabajaras, onde também realizou uma oficina com jovens moradores, no prédio junto à estação do metrô Siqueira Campos e nos arcos do Túnel Velho, todos exaltando personalidades da própria região. Quem passar para conferir, certamente reconhecerá: se não os rostos marcados o autor.


Embora tenha alcançado notoriedade, reconhecimento e rodado o mundo com sua caótica técnica - um complexo e barulhento diálogo entre “construção e destruição” -, o artista português, que encontrou o caminho da arte aos 13 anos através do graffiti, exalta que foi a técnica do estêncil que mudou sua forma de intervir nas ruas da zona sul de Lisboa. “Entendi que podia ir mais longe, que podia comunicar e interagir com um público mais abrangente, assim como explorar outro tipo de imagem, com outro tipo de abordagem e estilo na rua. Isto foi por volta de 2003/04, eu ainda era muito novo e passei muito tempo a explorar e testar materiais e técnicas. Um dia decidi inverter o processo e, ao invés de criar imagens com base na adição de camadas, comecei a removê-las, focando no negativo da imagem. Comecei a cravar imagens em aglomerados de cartazes (publicitários) de rua e, a partir daí, passei para as paredes, sempre com base neste conceito de remover camadas e trazer à superfície algo do que está por baixo”, revela Vhils. Após levar suas intervenções tanto às ruas como galerias de diversas capitais mundiais, de Londres a Xangai, Farto, em termos gerais, garante que sua arte “não mudou muito, que o conceito por trás do corpo de trabalho tem evoluído naturalmente, mas dentro das mesmas linhas”.


“Tenho explorado outras técnicas, como o caso do uso de explosivos e outros, mas isso também se deve ao fato de ter acesso a mais meios e oportunidades. Hoje em dia, eu trabalho junto com uma equipe que me acompanha e me ajuda na produção e nos demais processos técnicos e logísticos. Essa é talvez seja a grande diferença para quando comecei. A abordagem tornou-se mais profissional, mas a postura e a atitude são basicamente as mesmas. Ser convidado para desenvolver trabalhos e projetos pelo mundo a fora tem sido um privilégio”, completa o artista ao ressaltar que, apesar de seu atual trabalho estar muito distante do graffiti clássico, ele ainda lhe deve muito, tanto em termos de forma, processo e até metodologia, como em termos de conceito. A série dos rostos, por exemplo, segue a ideia de restituir simbolicamente certo grau de humanidade ao espaço urbano, sobretudo nas zonas mais depredadas. “É essencialmente um gesto de valorização do indivíduo comum face à saturação visual assente no culto das celebridades. A sua origem se deve, em termos conceituais, à ideia de que todo o indivíduo é moldado por um processo de acumulo de experiências, como se tratasse de uma sobreposição de camadas. Neste caso, as paredes refletem uma realidade análoga, e o fato de escavá-las, revelando as camadas que as compõem, visa trazer ao de cima essa noção simbólica de que vamos substituindo o novo pelo velho sem refletir a necessidade de fazer isso”, completa.


Aparecendo com um dos principais exemplos da evolução da chamada arte urbana em relação ao seu conceito artístico e também um dos mais bem-sucedidos (não tanto do ponto de vista financeiro), Alexandre Farto não separa o luxo das galerias do lixo das ruas, ao contrário, sabe essas esferas podem ser bem complementares. “A valorização é sempre positiva, mas obviamente depende de muitos fatores e, principalmente, dos interesses por trás dessa capitalização. No meu caso, o fato de trabalhar em espaços interiores (galerias) não tem diminuído em nada minha atividade no espaço público, e creio que para a maioria dos artistas urbanos a postura seja parecida. Para mim faz sentido trabalhar tanto dentro como fora das portas, já não ambientes diferentes, mas não opostos”, aponta Vhils. Se desvincular as esferas de atuação do artista de arte urbana parece algo natural, a questão comercial não passa assim tão despercebida aos olhos do português: “É natural que um fenômeno com este nível de projeção seja alvo das instituições e da comercialização. Não há mal nos artistas ganharem a vida através de seu trabalho, mas é preciso ter atenção à forma como fenômenos contraculturais desse tipo são absorvidos pela cultura dominante e o modo como são alvo de exploração por parte de agentes que não têm ligação com o meio onde foram gerados, sobretudo as marcas comerciais”.


Nos muros da social_dade

Mesmo visivelmente abatido pelo excesso de trabalho, Vhils não poupou energias ao tomar as ruas do Rio e, inclusive, fazer questão de ir às comunidades para imortalizar seus bravos moradores em paredes marcadas pela violência de outrora. Tanto no morro da Providência, local visitado em sua primeira visita ao Rio, como no Tabajaras, onde foi desta vez, o artista português sempre fez questão de conhecer a história de vida dos moradores locais - como a de seu Marco, dona Dilma e Raul, três personalidades que representam a luta contra a descuidosa política de desapropriação da prefeitura.  “Durante alguns anos fiz muito trabalho voluntário em projetos de intervenção social em Portugal, com a Associação Khapaz, do rapper Chullage, em projectos do Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME) e outros com amigos em comunidades. Hoje tento desenvolver esse lado de outra forma, com base nas minhas intervenções – como fiz aqui no Rio”, revela o artista, que, antes de finalizar, ainda manda um recado: “Essa ideia sempre fez parte dos meus planos e, mesmo quando não é desenvolvido diretamente em locais desfavorecidos, meu trabalho pretende ser uma reflexão séria sobre o fosso entre os que têm e os que não têm criado pelo modelo de desenvolvimento econômico e social aplicado nas sociedades urbanas contemporâneas, sobre o preço do progresso desenfreado e sobre a transformação irrefletida da paisagem, tanto física como humana, a qualquer preço.

Clark Art Center 
R: Teresa Guimarães, 35. Botafogo.
Visitação: Até 26 de maio, de quinta a domingo, das 14h às 19h. 
Entrada gratuita.

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segunda-feira, 22 de abril de 2013

#72


M&M´s: Ment e Mark na Homegrown

Celebrando 15 anos de graffiti, Marcelo Ment fala sobre sua caminhada pelos muros do Rio e ainda esmiúça a exposição “MM+MM”, um encontro em branco e preto com o designer Mark Miner.

Com exatos 15 anos de graffiti nas costas e vivendo o sonho de (sobre)viver de arte “em um país tão injusto economicamente”, o grafiteiro Marcelo “Ment” - assinatura que virou uma espécie de grife nos muros do Rio de janeiro - segue sua trajetória a caminho do vento e sem dar passos maiores do que as pernas, em outras palavras, em busca de novos suportes, materiais, estudos, referências e reinvenções sem se deslumbrar. Em sua última empreitada, por exemplo, o “desafio” foi desenvolver uma mostra sem contar com uma de suas marcas registradas: a rica mistura de cores. Isso porque, a exposição “MM+MM”, um encontro entre o artista carioca e o designer sênior da Nike Mark Miner - criador do tênis mais vendido da atualidade -, só conta com trabalhos em preto e branco, seja nos prints numerados e feitos em ‘fine art’ ou na exclusiva linha de camisetas que integra o projeto. Nesta, alguns trabalhos terão a assinatura de Ment, outros de Mark e outros por ambos a quatro mãos, como uma tela de 2m x 1,40m que traz uma técnica mista. Quem quiser conferir, a mostra, que foi inaugurada na última quinta-feira (18/04), seguirá aberta ao público na Homegrown (Rua: Maria Quitéria, 68. Ipanema) até o dia 11/05. É só chegar, a loja está na ativa.



“O trabalho dele é muito icônico e expressivo a meu ver. Quando anda pela rua, você logo reconhece o trabalho do Ment e muito por seu estilo. As linhas que ele usa para pintar são muito expressivas e carregadas de personalidade. Vê-lo pintar ao vivo será algo que nunca vou esquecer. Estou muito curioso para ver como sua arte e estilo vão se desenvolver no futuro”, afirma o designer americano, que conheceu Ment há dois anos e, desde então, passou a compartilhar suas similaridades com o “irmão”. Em dezembro, na última vez que Mark esteve no Rio, Ment pensava em elaborar a tal exposição sem cores e a ideia da parceria surgiu meio que naturalmente, enquanto a realização foi articulada em dois meses via Skype. “Desde o primeiro momento falamos em trabalhar no improviso total, conversamos sobre nossas ideias, formatamos o conceito da exposição e partimos para a execução. Como não existe uma competitividade entre nós – característica que foi fundamental -, tentamos nos focar no resultado final de cada peça, independente de ser uma arte minha, dele ou feita de maneira conjunta”, detalha o artista carioca, que ressalta: “Fiquei impressionado com a capacidade dele em desenhar “freehand”, sem rascunhos e direto da mente para o papel. O trabalho dele tem muitas referencias da arte ‘oldschool’ de tatuagens e gosto bastante desse estilo”.

 


Com base na infância ligada ao desenho e na fascinação pelo spray adquirida através da pichação - ainda em 1992 -, Ment acabou descobrindo uma paixão muito maior, a qual mudaria radicalmente sua vida e, por fim, acabaria realizando seu maior sonho. “Minhas primeiras memórias de criança estão ligadas ao desenho, rabiscava tudo que via pela frente. Também tive um apoio fundamental da minha irmã mais velha que é educadora e sempre me incentivou a desenhar. Além disso, meus irmãos são músicos e artistas, sempre estive cercado de arte na minha vida”, revela o grafiteiro. “Aos 16 anos, trabalhava durante o dia e estudava a noite, sempre sonhando em trabalhar/viver de arte, mesmo sendo uma realidade distante para mim. Em 1998, comecei a pintar nas ruas quase que despretensiosamente, fazendo um graffiti com uma forte influência do estilo clássico de Nova York (o que faço até hoje)”, completa Marcelo ao relembrar o começo de uma trajetória sem ponto final à vista: “Costumo dizer que fui indo pra onde o vento me levou, já que as coisas foram simplesmente acontecendo. Sem demagogia, me considero um aprendiz em tudo que faço e procuro sempre melhorar, buscar mudanças e experimentar coisas novas. Estou muito longe de onde quero chegar, mas sou muito privilegiado por viver fazendo o que amo de verdade”.


Questionado sobre o atual reconhecimento da chamada arte urbana, se essa tendência é mais relacionada ao seu apelo comercial do que artístico, Marcelo Ment, mesmo com toda sua propriedade para falar do assunto, prefere manter a cautela ao dar sua opinião sobre o assunto, mas a resposta se mostra bem clara: “Essa é uma questão muito delicada, grandes empresas usam a linguagem em suas campanhas, projetos e produtos, mas não querem dar o devido valor ou créditos. Não querendo generalizar, pois temos bons exemplos, é muito mais fácil para eles simplesmente “pagar” o mais barato, pedir para artistas iniciantes nos copiarem, usar nosso trabalho sem permissão e fazer do graffiti algo menor, do que reconhecerem nossa arte”. Apesar da queixa citada, o fato é que os traços que antes eram restritos à marginalidade, hoje viraram febre, ganharam espaço em diversos segmentos e, de certa forma, deram outro conceito ao universo das ruas. Detalhe: isso é só o começo, como prevê Ment: “A cena vem crescendo e, atual_ment, temos a internet e um número maior de informação circulando infinitamente do que na época em que comecei e acredito que essa cena está bem no começo ainda. Em minha opinião, temos uma grande diversidade de estilos e isso atrai a atenção de diferentes públicos, galeristas e do mercado em geral”, finaliza.


Assista o teaser da exposição. 
Fotos: Henrique Madeira

Homegrown: Rua Maria Quitéria, 68. Ipanema.
Data: até 11.05.2013

Horários de visitação: 
Seg. a sex. das 10h às 20h. 
Sáb. das 12h às 18h

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